Tratado de Limites de Lisboa
ou
Tratado de Limites Galaico-Trasmontano
(29 de setembro de 1864/29 de setembro de 2014)
2ª Parte
Um dia armou-se foliada em Vilarelho. Os gaiteiros eram de além raia e os dançantes de aquém. Chegou a Guarda Civil: “Los españoles no pueden estar aquí. Se acabó la fiesta, cojones”. Foram-se para a raia. Galegos de cá, de uma banda e galegos de lá, da outra. Continuou a folia transfronteiriçamente.
"Em Vilarelho da Raia há uma pedra a separar duas hortas. Essa pedra separa também dous estados. Espanha: cebolas; Portugal: batatas”[1]
Paula Godinho refere que o termo “promíscuo” tem atributo negativo nas línguas ibéricas. E não está claro quando começou a ser utilizado, pois nos textos antigos os povos são ditos “místigos”. A designação de “Povos promíscuos” é a utilizada nos textos do Tratado e proveniente de um olhar exterior, distante da realidade local …
No entanto, os responsáveis das negociações, de Lisboa e Madrid, viam nos aldeões e nestes povoados, sitos nos confins de Portugal - Trás-os-Montes, como pouco civilizados (“a existência de três lugares miseráveis”, diziam os espanhóis), e esta situação anómala um atentado aos bons costumes.
A linha vermelha indica a fronteira, Cambedo
Quanto às vantagens retiradas pelos seus habitantes, existem duas teses:
A primeira defende que estes três povos não tinham vantagens especiais e pagavam os seus impostos. Os partidários da segunda tese defendem que os seus habitantes aproveitavam para fugir a certas obrigações (impostos, tropa,...).
Casa construída sobre a fronteira anterior a 1864. A porta da direita estaria em antigo território espanhol
As vantagens seriam territoriais pois assim estavam criadas as condições de excelência para a prática do contrabando.
À direita, antigo posto da Guarda Fiscal em Soutelinho da Raia
Foram formalmente entregues os “bairros galegos” de Soutelinho da Raia e completou-se com os de Lamadarcos e Cambedo, respetivamente, a 27 e a 28 de Junho do ano de 1886, a Portugal. Este tratado só se tornou definitivo com a entrega da linha de fronteira entre os reinos de Portugal e Espanha, localmente, às autarquias raianas de Oimbra, Verin, Vilardevós e Chaves, a 30 de Novembro de 1898, responsabilizando-as pela manutenção dos marcos/hitos delimitadores.
Como curiosidade, citando Miranda, este tratado podia muito bem também chamar-se de “Tratado Galaico-Transmontano” porque dos 801 marcos (hitos) colocados, 349 estavam nesta zona, o mesmo acontecendo com o articulado (Rio Minho ao Penedo dos Três Reinos).
Voltando a Paula Godinho, citando Barreiros, esta refere que foram inúmeras as irregularidades da nova demarcação da raia que prejudicaram claramente a população do concelho de Chaves, como aconteceu em S. Vicente e Segirei, onde houve rixas e os marcos arrancados.
O Tratado pôs fim aos conflitos seculares, por imposição legal, mas não ao descontentamento e falta de proveito e primazia das populações raianas do concelho.
[1] “A gente da barreira“ in “Passsar a raia” blog Calécia, 30/03/2007
Bibliografia
- "Tratado dos Limites de Lisboa", 29 Set 1864
- Anexos ao Tratado, 4 de Novembro de 1866
- Ata da entrega aos municípios dos marcos ou hitos datada de 30 de Novembro de 1898
- “Sigillum Militum Christi” Blogue
-Vasconcelos e Sá, 1861, publicado por J. B. Barreiros
- Seara, Eliseu - “O Couto Misto de Rubiás” – Revista Aquae Flaviae nº 28 de Dezembro de 2002 pag 41
- Maña, Luís Garcia – “La Frontera Hispano-Lusa En La Província de Ourense” – Ourense 1988
- Maña, Luís Garcia – “O Couto Misto”, 2000
- “A gente da barreira”, in “Passsar a raia” – blogue Calécia, 30mar2007
- “Finis Portugalliae – Trás-os-Montes” - Maria Helena Dias e Instituto Geográfico do Exército, 2009
- Godinha, Paula – “ Oír o galo cantar dúas veces”, 2011
- Valencia, Máximo Salinas – “O Couto Misto – o seu contorno e os Pobos Promiscuos (Descrição Socioeconómica)” in Associação “Amigos do Couto Misto”
- Miranda, Júlio Alonso – “Tratado de Limites Galaico-Trasmontano de 1864”, in “Forum Galaico Transmontano” nºs 2 e 3
- Cadenas, Delfim . excerto do artigo “A Aldeia do Cambedo e o Couto Mixto“ publicado no jornal digital “Mapa”, em 17 de Junho de 2014
- “Fronteiras histórias da raia” blogue – “Povos promíscuos” - Soutelinho da Raia
- “Chaves – olhares sobre a cidade” _ blogue, Fernando Ribeiro, 23 de julho de 2011
Fotografias gentilmente cedidas por Fernando Ribeiro e José Carlos Silva